Fonte primária: Burke Instituto Conservador
Autores: Thiago Rafael Vieira & Jean Marques ReginaC
O Poder Judiciário brasileiro está protagonizando uma série de violações à liberdade religiosa e ao Estado laico – tudo isso em menos de 42 horas, diante de nossos olhos, em pleno Estado Democrático de Direito que elegeu, em 05 de outubro de 1988, o sistema colaborativo de laicidade – Art. 19, I da Constituição. Vamos aos fatos.
A primeira vítima é o Padre Rodrigo Alves de Oliveira Arruda. Em uma missa dominical na capela São João Batista, na zona oeste de Recife, os fiéis foram incentivados a assinarem um abaixo-assinado solicitando ao Senado para que legisle urgentemente sobre o tema, a fim de limitar a decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão de n º 26, aquela que criminaliza a homofobia e ainda não transitou em julgado, logo não está irradiando seus efeitos, ainda. O resultado? O Movimento LGBT Leões do Norte[1] apresentou uma denúncia ao Ministério Público Pernambucano, alegando “uso do sacerdócio para incitar a violência”, gerando a abertura de um inquérito civil para apurar os fatos, pelo MP/PE.
A segunda vítima é a Prefeitura de Aparecida, no Vale do Paraíba – SP. Uma juíza de direito, atendeu ao pedido da ATEA (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), e entendeu pela retirada de monumentos da padroeira da cidade em terrenos públicos, que foram doados pela Prefeitura. Além disso, a sentença também determina a proibição definitiva de financiamento por parte da prefeitura às obras feitas em comemoração aos 300 anos da celebrada aparição da imagem nas águas do rio Paraíba. Instalações como os monumentos na cidade e um parque de 140 mil m² – com uma estátua e uma capela – tiveram de ser paralisadas.
O que ambas as situações têm em comum? As nuances do judiciário utilizadas para tolher o sentimento religioso e o exercício da fé, e a e afrontar a laicidade colaborativa brasileira. Afrontar a laicidade? Um mantra que ainda nos aflige severamente, e piora cada dia mais: a utilização do conceito de Estado laico de forma subvertida, na tentativa de invocar um Estado ateu e laicista.
O sentimento religioso, na perspectiva jurídica e filosófica, representa aquilo que é sagrado para alguém ou para um grupo de pessoas. Trata-se de uma preciosidade que constitui o próprio ser de quem o carrega. A fé responde as perguntas mais profundas do homem, tais como: quem somos? De onde viemos e para onde vamos? Ontologicamente é da própria substância de ser humano, logo está intimamente ligada à dignidade humana e, assim, constitucional e legalmente garantida e protegida.
Entretanto, percebemos uma narrativa em torno do Estado laico para disseminar um Estado laicista (hostil à religião), assim, precisamos relembrar algumas lições importantes de direito religioso, e assim, corroborar que os dois fatos citados acima são claras violações à dignidade da pessoa humana e à liberdade religiosa. Primeiro, a premissa que o Professor Ives Gandra da Silva Martins no ensina, que deveria ser livro de cabeceira dos nossos juízes e instituições progressistas:
O Poder Laico não é um poder ateu, nem agnóstico. […] Em outras palavras, numa autêntica democracia, tanto os que creem, que são a maioria, quanto os que não creem, que são a minoria, têm idênticos direitos, podendo atuar como desejarem, de acordo com suas convicções […][2]
Eis o motivo que explica o erro crasso cometido pelo referido movimento: tentar amoldar a confissão religiosa do Padre ao seu estilo de vida, e pior, tentar enquadrar uma declaração feita em razão da fé, como discurso de ódio. Parece que essa minoria desentendeu o conceito de liberdade de expressão, assim como a soberania das esferas dentro uma democracia. É exatamente porque o Estado é laico e vivemos em uma democracia tripartite (de três poderes), que o Padre, como líder religioso e como cidadão, pode criticar as decisões do judiciário, já que não são poderes vinculados. E mais, o Padre pode fazer uso dos mecanismos legítimos para tentar reverter uma decisão que importa em contrariar direitos e garantias fundamentais.
Segunda questão, sendo o casamento monogâmico e heterossexual um dos dogmas da Igreja Católica, a declaração do Padre também é feita em razão da sua crença – e portanto, está protegida pela excepcionalidade trazida pela própria ADO Nº 26 – valendo citar uma parte generosa do voto do relator (p. 108):
[…] da mesma forma que o Poder Público prevê a figura penal consistente na punição, como delito, do crime contra o sentimento religioso, punível nos casos de ultraje a culto ou vilipêndio a ato ou a objeto de culto religioso, tal como definido no art. 208 do Código Penal.
É inquestionável que a liberdade religiosa qualifica-se como pressuposto essencial e necessário à prática do regime democrático. A livre expressão de ideias, pensamentos e convicções, em sede confessional, não pode e não deve ser impedida pelo Poder Público nem submetida a ilícitas interferências do Estado.
E a razão é uma só, pois a livre expressão de ideias, pensamentos e convicções – inclusive em questões religiosas ou confessionais – não pode e não deve ser impedida pelo Poder Público ou por grupos antagônicos nem pode ser submetida a ilícitas interferências do Estado, de qualquer cidadão ou, ainda, de instituições da sociedade civil.[3]
Apesar de a decisão, ainda passível de conserto, ADO nº 26 pecar deixando de excepcionar liberdades fundamentais como a de pesquisa, científica, acadêmica e jornalística, entendemos que vale citá-la, para mostrar que nem o próprio objeto de fundamentação dos LGBT’s nesse caso, serve para corroborar sua pretensão egoística e inconstitucional. Sobre este caso, até mesmo associação do próprio Ministério Público, MP Pró-Sociedade, emitiu nota de repúdio à abertura de tal inquérito.
Entende o MP Pró-Sociedade que o Ministério Público não pode, a título de defesa de direito de minorias, usar de suas atribuições legais para patrocinar a causa de grupos ideológicos contra o direito de segmentos da sociedade que, de igual maneira, agem dentro da legalidade estrita.
Com efeito, o Padre Rodrigo Alves de Oliveira Arruda, ao conclamar os fiéis a firmarem o abaixo-assinado, fê-lo não apenas dentro de sua liberdade de expressão, mas antes como religioso. É de conhecimento notório que a temática da ideologia LGBT vai de encontro aos ensinamentos religiosos professados pela grande maioria das religiões, notadamente no que concerne ao casamento, castidade e família. Ao manifestar suas opiniões, o Padre apenas externou as suas convicções religiosas, embasado na doutrina que orienta a sua fé[4].
Quanto à segunda vítima, temos aqui mais um uso desastroso do Estado Laico, em que ateus e agnósticos empurram uma narrativa para fazer vigorar uma ditadura laicista. O relato a respeito da aparição da imagem possui um valor central na formação do município em questão, além de representar a confissão de fé de uma quantidade significativa de cidadãos daquela região. Há que se falar no valor turístico que também foi encarnado à figura da imagem de Aparecida, local que reúne milhares de turistas de confissão de fé católica, e de outras fés também, pela história da imagem deixada milagrosamente no local e encontrada por pescadores. No livro Direito Religioso: Questões Práticas e Teóricas (2ª Edição) explicamos a diferença entre o Estado Laico brasileiro e o modelo laicista que mora nos miolos da ATEA:
De fato, a liberdade religiosa garantida pela Carta Magna só é possível em razão de sua neutralidade positiva estatuída no art. 19, inciso I da Constituição, regulamentada pelo Decreto 119-A/1890. Caso contrário, estaríamos diante de um modelo de laicismo no qual se persegue um ateísmo público, um credo negativo, uma imposição daqueles que não creem aos que creem, afrontando a liberdade religiosa, praticamente um Estado ateu, “intolerante e hostil à religião”, no dizer de Jonatas E.M. Machado, sendo claramente o modelo deixado de lado por nosso constituinte […][5]
Ao atuar com neutralidade benevolente em face do fenômeno religioso, o constituinte também compreende que, quando o fenômeno religioso está presente na Constituição de um determinado ente da federação, ele não só deve ser mantido, como respeitado e valorizado – tal argumento explica o porquê a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 mantém o nome de Deus em seu preâmbulo: ele é o retrato da vontade popular!
No mesmo sentido, as imagens no município são uma expressão da história daquele povo e de sua crença formadora, e por isso, devem ser respeitadas, não prosperando o argumento da ATEA em defesa de [imaginário] Estado laico (laicista/ateu) de araque. Resolveremos isso acompanhando, indo às ruas, repudiando publicamente – já vimos que o alerta de outrora agora é uma realidade: estão utilizando o Poder Judiciário para fazer valer interesses nefastos, entre eles dissolver a liberdade religiosa. A liberdade religiosa é uma realidade no Brasil, mas não deixa de ser delicada como um vaso de porcelana chinês: é fácil de quebrar. Portanto, cabe a nós, permanecer e enrijecer nossa postura de combate contra tais contrariedades à Constituição e à dignidade da pessoa humana.
Referências:
[1] (um nome um tanto incoerente com a prática, já que o termo “Leão do Norte”, no contexto pernambucano, provavelmente deve guardar relação com a Revolução Pernambucana de 1817, que simbolizava a perseverança em favor das liberdades fundamentais – mas, agora os portadores da sigla atacam a liberdade religiosa, podemos dizer que foi um “ERROR Nº 0932849#$%¨&$# ?”).
[2] VIEIRA, Thiago Rafael; REGINA, Jean Marques. Direito Religioso: questões práticas e teóricas. Ed. 2. Porto Alegre: Concórdia, 2019. p. 40.
[3] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO 26 DISTRITO FEDERAL – voto do Relator: Ministro Celso de Mello.
[4] https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/mp-pro-sociedade-nota-de-repudio/
[5] VIEIRA, Thiago Rafael; REGINA, Jean Marques. Direito Religioso: questões práticas e teóricas. Ed. 2. Porto Alegre: Concórdia, 2019. p. 131-132.